Com a morte da rainha Elizabeth 2ª, nesta quinta-feira (8), o Charles “príncipe” enfim deixará de existir aos 73 anos. Em seu lugar, surge o Rei Charles.
Formal ao extremo, ocasionalmente desengonçado e com uma personalidade que se tornou sinônimo de falta de carisma, Charles Philip Arthur George passou 70 anos como príncipe herdeiro do Reino Unido, exercendo esse papel como se fosse uma profissão.
Com a morte da rainha Elizabeth 2ª, nesta quinta-feira (8), o Charles “príncipe” enfim deixará de existir aos 73 anos. Em seu lugar, surge o Charles soberano, o mais velho a assumir o trono britânico na história, o que deve fazer de seu reinado um período de transição entre o da mãe, venerada pela dedicação ao serviço público, e o do filho William, visto como a modernização –e, para alguns, salvação– da realeza.
“Mas talvez não seja tão transitório assim. Charles herdou os genes da mãe e do pai e pode muito bem reinar por 20 anos”, afirma Annette Mayer, especialista em monarquia britânica da Universidade de Oxford.
A longa trajetória como príncipe herdeiro, maior que a de qualquer outro na história do Reino Unido, estimulou em Charles um certo sentimento de resignação e até autoironia. “Ser herdeiro do trono não é uma profissão. É uma enrascada”, ele costuma dizer, bem-humorado, quando questionado sobre o tema, segundo relata a biógrafa Catherine Mayer no livro “Born to Be King” (nascido para ser rei), de 2015.
Sob o olhar público desde que nasceu, em 1948, Charles precisou encontrar cedo uma forma de conviver com essa enrascada. Nunca houve um modelo único de como o herdeiro do trono britânico deveria se comportar, e ele teve ainda de lidar com o fato de ser o primeiro príncipe da era televisiva.
Em 1977, conheceu Diana Spencer, de família aristocrática, com quem se casaria em 1981 e teria dois filhos, William e Harry. A tumultuada relação, desfeita em 1996, com direito a infidelidade conjugal de lado a lado, seria o período mais danoso não apenas para a imagem do príncipe, mas de toda a monarquia. A morte de Diana, num acidente de carro em Paris, em 1997, gerou comoção global e acusações de falta de empatia pela família real. Pela primeira vez imprensa e especialistas trataram seriamente da possibilidade de o país virar uma República. Desde então, a monarquia readquiriu grande parte de seu prestígio, e hoje pesquisas indicam que tem apoio em torno de 70%. Mas a ascensão de Charles poderá destravar o sentimento republicano, ao menos num primeiro momento, diz Mayer, de Oxford. Ela faz um paralelo entre a sucessão de Elizabeth 2ª e a de outra mulher que marcou sua época, a rainha Vitória, que morreu em 1901 após um reinado de quase 64 anos. “Quando a rainha Vitória morreu, não houve questões sobre a sobrevivência da instituição. Mas haverá muito rapidamente perguntas sobre para onde vai a monarquia agora”, afirma ela. Isso acontece, diz a acadêmica, porque falta a Charles o peso histórico da mãe, coroada quando o Reino Unido ainda era uma potência, embora já na descendente. Hoje, ao contrário, o país vive uma crise de identidade e é claramente um ator secundário na geopolítica global. Além de ter optado por uma guinada isolacionista com o brexit, o divórcio com a União Europeia, tem sua própria existência sob risco.