fonte : Carta capital
Marcos Xukuru, o cacique Marquinhos, foi eleito prefeito de Pesqueira ainda em primeiro turno. Seria o primeiro indígena a comandar a cidade, onde os povos originários somam mais de um terço da população.
Sua posse em janeiro de 2021, contudo, depende de uma decisão tomada há 2 mil quilômetros longe do agreste pernambucano. Mais precisamente, pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. O cacique tenta reverter uma decisão do TRE pernambucano que impugnou sua candidatura.
A contestação toma como base um processo 2003 que o condenou por crime de incêndio. O caso foi levado à segunda instância do Tribunal Regional Eleitoral, que decidiu pela inelegibilidade do líder Xucuru no dia 6 de novembro.
Embora o desembargador eleitoral Rodrigo Cahu Beltrão tenha reconhecido a extinção da pena em 2016, ele recorreu à Lei da Ficha Limpa que grafa em seu art. 1º, I, “e”: “são inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. Entre os crimes está previsto o contra o patrimônio privado, que é onde se assenta o indeferimento da ação.
Inicialmente, Marcos Xukuru havia sido condenado a 10 anos e 4 meses de pena, mas recebeu um indulto e teve a pena reduzida para quatro anos e vinte dias de prestação de serviços à comunidade.
“A emboscada não foi considerada no processo”
A tribo contesta a decisão da Justiça. Guila Xucuru, presidente da Associação Xucuru, afirmou a CartaCapital que o incêndio foi causado por emboscada contra o cacique, e que ele não tem qualquer envolvimento com o ocorrido.
No dia 4 de dezembro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil publicou uma carta em solidariedade ao cacique afirmando que o episódio do indeferimento de sua candidatura é fruto de “ação de base racista movida pela atual prefeita da cidade, que concorria à reeleição e foi derrotada nas urnas”.
No texto, a APIB destaca o cacique como “uma das tantas lideranças indígenas, que neste ano marcado pelo racismo, preconceito e pelo ódio das classes dominantes contra os povos indígenas, sob o incentivo do atual governo, decidiram demarcar as urnas”. A articulação ainda questiona a atuação do Tribunal Regional Eleitoral e atrela a decisão à manutenção de interesses oligárquicos .
“A APIB teme e manifesta a sua preocupação a respeito do comportamento de instituições do Estado que ao invés de proteger direitos cidadãos e coletivos possam extrapolar o seu papel constitucional, e o mais grave, possam estar a serviço de interesses oligárquicos e desencadear processos de perseguição política, que podem pôr em risco a vida de lideranças indígenas, tudo em detrimento do contínuo aprimoramento da Democracia (representativa, participativa e popular) e do Estado Democrático de Direito”.
“Os ataques à candidatura e eleição do cacique Marcos Xucuru certamente constituem o retrato secular que as elites deste país e sucessivos governos institucionalizaram para surrupiar os nossos direitos, espoliar e abocanhar sem nunca se satisfazer os bens naturais que há milhares de anos preservamos”, acrescentam.
Oito prefeitos de origem indígena foram eleitos no primeiro turno das eleições municipais. O número já é maior que o registrado no primeiro turno de 2016, quando o total de índios eleitos prefeitos foi de seis. O crescimento é de 33%.