A semântica perseguiu a população não branca brasileira carregada pelo preconceito e só perdeu o tom pejorativo na luta dos movimentos sociais de libertação. O problema está na discriminação
“Negro drama, cabelo crespo e a pele escura/A ferida, a chaga à procura da cura”. Esses versos escritos por Edivaldo Pereira Alves, mais conhecido como Edi Rock, compõem a segunda estrofe de uma das letras mais contundentes e representativas do rap nacional. Lançada pelos Racionais MC’s em 2002 no disco Nada Como um Dia Após o Outro Dia, a música Negro Drama, composta em parceria com Mano Brown, trata com naturalidade e realidade o cotidiano da população negra no Brasil.
O olhar atento aos dois termos revela uma trajetória de luta do movimento negro que foi além de positivar esses termos, do ponto de vista semântico. Ela ajuda a descortinar questões que envolvem a população negra, por exemplo, ao preencher formulários nas redes de atendimento à saúde no momento de autodeclarar a cor. A medida é uma forma de saber como determinadas doenças impactam esse segmento da população e ajudam também na definição de políticas públicas.
Conversamos com a escritora Conceição Evaristo, que abre caminhos para os negros na literatura. Também falou com o cientista político Cristiano Rodrigues, pesquisador do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, e com a jornalista Rosane Borges, pesquisadora colaboradora do Centro Multidisciplinar de Pesquisas em Criações Colaborativas e Linguagens Digitais (Colabor), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP).
A positivação do termo negro se deu, por exemplo, nos Cadernos Negros, publicação que abriu espaço para a literatura afro-brasileira desde 1978 até os dias atuais. “A própria nomeação de Cadernos Negros indica. Em várias criações poéticas, o eu lírico se pronunciava como negro ou a musa inspiradora do poema era sempre uma mulher, e essa mulher nomeada de negra”, diz Conceição, que defendeu em, 1997, dissertação de mestrado com o título Literatura negra: uma poética de nossa afro brasilidade.
Em Becos da Memória (Mazza Edições, 2006), um dos personagens criados por Conceição é Negro Alírio. A palavra está muito colada ao personagem. Noutros momentos, a escritora usa a palavra negro e negra tanto para personagens femininos como masculinos. “Becos da Memória termina com a frase: o negro luzidio. A narrativa se refere ao corpo de vó Rita, o negro luzidio de sua pele”, destaca Conceição.